terça-feira, 7 de agosto de 2007

Maria Isabel de Assis, uma mulher negra, nascida na Vila Brasilândia


Maria Isabel de Assis, uma mulher
negra, nascida na Vila Brasilândia

Umas das gratas revelações do evento Brasilândia Celebra Zumbi, dentro do projeto Virada Cultual, ocorrido dia 20/11, foi a presença forte e a fala conclusiva de Maria Isabel de Assis, ou simplesmente Mabel, que se apresentou ao público como “uma mulher negra, nascida e criada na Vila Brasilândia”।


Mabel é hoje assistente social e mestre em Ciências Sociais, formada pela PUC- Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, com título da Dissertação de Mestrado com o tema “Mulheres Negras: Violência e Resistência no Distrito da Vila Brasilândia”, de 2005। Participou como conselheira no Conselho Estadual de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra, foi coordenadora adjunta da Fala Preta! Organização de Mulheres Negras de SP, monitora no Projeto Educando São Paulo Pela Diferença Para Igualdade – UFSCar; assistente social no Projeto Quixote da Unifesp, ligado ao Departamento de Psiquiatria da EPM- Escola Paulista de Medicina,atendemos crianças, adolescentes e famílias em situação de risco social.

CONCENTRAÇÃO
DE NEGROS

No evento, ela fez breve explanação sobre a sua dissertação de mestrado para um público perplexo, pouco acostumado a ouvir esclarecimentos e dados sobre a sua própria realidade. Falou sobre a Vila Brasilândia, lugar onde desenvolveu sua pesquisa e que ficou estigmatizada por diversos veículos de comunicação como um lugar de violência extremada – “este estigma acarreta aos seus moradores(as) diversas discriminações como o preterimento na disputa por trabalho”, disse.
- “A Vila Brasilândia está entre os distritos com maior concentração de negros(as), que segundo o IBGE representa 39,7% da população da cidade de São Paulo. Contudo, esta representação, em algumas localidades deste Distrito atinge 60% do total de moradores. Essa significativa representação resulta do processo de migração pelo encarecimento do solo e possibilidade de aquisição da casa própria. Trata-se do processo de expulsão dos segmentos com menor poder aquisitivo das áreas consolidadas, pelo fato da oferta de serviços não ocorrer na mesma proporção que o crescimento acelerado e desordenado, bem como pela presença incipiente do Estado na oferta de serviços, e ausência de infra-estrutura mínima de forma a satisfazer as necessidades básicas da população”.
Mabel esclareceu ainda que, “estes aspectos somados a outros como desemprego, discriminação racial, violência policial e a outros fatores exacerbam o sentimento de medo e abandono coloca a Vila Brasilândia entre os distritos onde é registrado os piores Índices de Desenvolvimento Humano de São Paulo.
A pesquisa da mestra Mabel focalizou o processo de acentuação da violência no cotidiano das mulheres negras residentes em Brasilândia. - “Buscamos recuperar a história do local, do ponto de vista das mulheres negras ali residentes, cuja chefia da família está relacionada ao homicídio ou latrocínio de seus companheiros”.
A pesquisa revelou que as mulheres locais foram absorvidas por um cotidiano de luta pela sobrevivência, sua e de sua família, que dificultou a percepção desse dia-a-dia atribulado como fator que contribui – em parte – para restrição das suas relações de vizinhança, familiares e afetivas. Apontou também que apesar das periferias serem apontadas como lócus privilegiado da violência esta não são singulares aos segmentos que a ocupam. Evidenciou que a dinâmica da sociedade moderna além de destituir da população os elementos agregadores das relações, elabora outros que contribuem para o estabelecimento de uma distância entre os grupos que nela habitam.

Dados do Distrito da Vila Brasilândia - Possui:
21 quilômetros quadrados;
Total da população, 247.328;
População negra, 39,7%;
Taxa de emprego por habitante, 0,16%
Renda média familiar em salários mínimos, 7,38
Chefes de família sem instrução, 10, 04%
Chefes de família com 15 anos ou mais de escolaridade, 1,98%.
Número de homicídios por cada 100 mil habitantes 92, 31


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Maria Isabel de Assis, uma mulher negra, nascida na Vila Brasilândia

As recordações

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• Quantos se lembram do barro que amassou na Rua Parapuã para chegar até Itaberaba? Até 1954 não havia asfalto e para chegar até lá, o negócio era levar um par de sapatos limpos numa sacola e, ao chegar, trocá-lo pelo outro sujo que ainda estava no pé.

•Aos sábados e domingos, em frente ao Bar do Gatto, colocava-se um imenso lençol branco e projetava-se filmes ao ar livre. O Gordo e o Magro e os Três Patetas faziam a alegria de todos.

• A Paróquia de Santo Antonio era uma pequenina Capela. A atual foi construida ao redor da pequena e, só depois de terminada é que a pequena veio abaixo. Era curioso ver a Igreja grande e, dentro dela, a Capelinha.

• Nos anos 50, na Rua Parapuã, altura do número 1703, num galpão de madeira, funcionava o primeiro Cine Brasilândia. Existiu um fato que ninguém esquece: as tábuas do banheiro das mulheres tinham mais furos do que "queijo em festa de ratos". O incrível é que havia mais gente disputando esses furos, do que dentro do cinema.

• Nos anos 50 as entregas do Mercadinho Okada (hoje Panificadora Okada) eram feitas por Walter Fraga (Babau). Ele "pilotava" os cavalos Canário e Roxa, que puxavam uma carroça cheia de mantimentos.

• A Rua Guariroba, hoje Joaquim Ferreira da Rocha, foi marcada pelas lindas festas em louvor a São Benedito, organizadas pelo saudoso casal Sr. Benedito e Dona Estelita.

• As festas em louvor a Santo Antônio sempre apresentaram os "Reis do Coreto". Eram eles: Moleque Tião, Nhô Nito e Nhô Amaro, Zé Ferrante e João Valente, Jango e Janguinho, Piragibe e Pirajá, Procópio e Alcides, Fabiano e Joaquim, Carlos Josias e outros nomes de destaque.

• O primeiro Delegado de Brasilândia foi o Capitão Roque de Almeida. Ele, sua charrete, seu chicote e sua "pança" (à la Sargento Garcia) eram sucesso!

• Nos anos 60/70 eram lindas as festas em louvor a Santo Antônio de Brasilândia, realizadas na Praça Joaquim Vagliengo. Quermesses, pau-de-sebo, danças folclóricas, procissões e muitas outras atrações.

Brasilândia - uma história de amor :

Brasilândia - uma história de amor ::

Categoria: Nossos bairros, nossas vidas

Autor(a): Waldir dos Santos

A história de Vila Brasilândia confunde-se com a história de amor vivida pelo casal Brasilio e Tereza Simões. O território brasilandiense originou-se através de vários loteamentos. Brasilândia é o produto do desmembramento de inúmeros sítios e chácaras existentes nas primeiras décadas deste século. Em um destes sítios viveu o Sr. Brasilio Simões, cultivador de cana-de-açúcar e fabricante da Caninha do Ó, conhecida aguardente da época.


A Rua Parapuã, na época uma estreita trilha, iniciava-se à altura do 2200 da Av. Itaberaba, onde hoje está a Igreja Santa Cruz de Itaberaba. Uma pequena porteira servia de entrada para as vilas que se iniciavam. Grande parte da área que ladeava a embrionária Rua Parapuã pertenciam à Família Siqueira.

Com o desenvolvimento do País, do Estado e da Cidade, Brasilândia também sofreu modificações. Os sítios foram desmembrados em pequenas vilas e grande parte foi adquirida por diversas companhias loteadoras, entre elas a Cia. Líder, que era ligada ao Banco F. Munhoz.

Recordando um pouco da história, lembramos que a questão habitacional, passa pela problemática dos cortiços, que já era um grande desafio para os governantes desde 1896, quando foi elaborado o código de Posturas do Município de São Paulo, com um capítulo intitulado "Cortiços, casas de operários e cubículos". Interessa esclarecer que, pelo fato de as
construções de cortiços serem vedadas nas zonas centrais ou comerciais, é justamente nas áreas mais problemáticas e recém integradas ao perímetro urbano do município, que eles se disseminaram.

Os governos paulistanos preocupando-se com a beleza e o saneamento no centro da cidade, executaram reformas urbanas, como a do início de 1910, que, alargando as ruas e derrubando os cortiços, promoveram um verdadeiro êxodo
dos proletários em direção à periferia, pois os imóveis que resistem à demolição têm seus aluguéis aumentados em até 200%.

E são exatamente essa famílias, fugindo dos altos aluguéis, que passam a adquirir lotes residenciais na iniciante Brasilândia. Somavam-se, ainda, famílias vindas do interior, em busca de melhores condições de vida.

Como essas pessoas já se conheciam anteriormente, a Brasilândia, em seu início, era como uma grande família e todos viviam em comunhão. A grande maioria das casas foram construidas pelos próprios moradores, em mutirão, onde um vizinho era ajudado pelo demais e, assim, o bairro foi crescendo.

O primeiro loteamento em Brasilândia, a cargo da Cia. Líder, foi registrado em 24 de janeiro de 1947. Esta data foi estabelecida através de levantamento realizado pelo Jornalista Célio Pires de Araujo, junto ao Registro de Imóveis. Por iniciativa do Vereador José Viviani Ferraz, visando atender solicitação feita pelo morador Zezinho Rodrigues, elaborou-se Projeto de Lei número 11.342, de 10 de novembro de 1992, relativo à data. O então Prefeito, Paulo Maluf, decretou a data como sendo "O Dia da Brasilândia", à ser comemorado todos os anos. Assim sendo, o dia 24 de Janeiro ficou sendo o Dia Oficial de Brasilândia.

Em 28 de fevereiro de 1964, através da Lei no 8092, Brasilândia foi elevada a 40o Subdistrito da Capital, delimitando-se com Freguesia do Ó, Pirituba e Perus, englobando as vilas que estão neste espaço. A Brasilândia é maior, em extensão e população, do que muitas cidades interioranas.

No início, pequenas chácaras e pequenas vilas formavam o território brasilandiense. Entre elas: Vila Nina, Vila Áurea, Vila dos Portugueses, Vila Serralheiro, Jd. Itaberaba, etc.. Várias famílias escreveram a história do bairro: Famílias Teresa Simões, Bonilha, Budin, Algante, Okada, Yamazaki, Ono, Rodrigues, Souza, Campos, Santos, Gomes, Cardoso, Antonio Cruz, Gatto, Caetano Pinto, Galdino, Pereira dos Santos, Fraga, Guilherme, Soares, Tille, Pita, "Chico Baiano", Compri, Conzales, Zolezzi, Linge, Barbosa, Pavão, Brugnera, Revite, Albano, Coiro e muitas outras.


são paulo minha cidade

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Pinacoteca do Estado Mercado Municipal Mercado Municipal

Museu do Ipiranga Mapa do Ibirapuera 1954 नस्स ibirapuera






Anhangabaú Arte no muro Praça Vilaboim Bienal




Centro a noite Ibirapuera - Oca Ibirapuera - Árvores Estação Júlio Prestes
Uma rua na liberdade Museu de arte sacra Mercado municipal Museu Paulista (Ipiranga)

Estádio do Paecambu

Parque do Ibirapuera

Mosteiro de São Bento Teatro Municipal



Vale do Anhangabaú Casa
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A autonomia universitária e a escolha de reitores


A autonomia universitária e a escolha de reitores

A autonomia constitui um dos pontos mais importantes da discussão sobre a reforma universitária no Brasil. Ao mesmo tempo em que é considerada uma condição de existência da própria universidade, sua regulamentação vem sendo alvo de muitas divergências entre os diversos setores da comunidade acadêmica. O atual debate remete à aprovação do artigo 207 da Constituição Brasileira de 1988, que determina que as universidades tenham autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial. Um dos principais problemas em torno dessa questão é que a diretriz constitucional não estabelece se esse princípio é auto-regulável ou não, ou seja, se pode variar de acordo com cada universidade.

“A polêmica que havia em 1988 era se a expressão na forma da lei seria acrescentada, depois da palavra autonomia, ou se deixaria apenas a definição genérica do princípio”, explica a socióloga Maria Francisca Coelho, professora da Universidade de Brasília (UnB). Ganhou a versão sem o acréscimo e, até hoje, muitos defendem a autonomia plena, o que, na prática, tem significado o emperramento das atividades universitárias ou o uso indevido desse princípio para não resolver os problemas da instituição. “A autonomia como está na Constituição virou uma faca de dois gumes: serve para justificar o status quo e para não mudá-lo”, afirma Coelho.

Um dos capítulos mais importantes dessa discussão sobre autonomia ocorreu no contexto das discussões sobre a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), sancionada em 1996. A LDB acabou restringindo o alcance da autonomia ao definir que “as universidades mantidas pelo poder público gozarão, na forma da lei, de estatuto jurídico especial para atender às peculiaridades de sua estrutura, organização e financiamento pelo poder público, assim como dos seus planos de carreira e do regime jurídico do seu pessoal”. Na prática, isso acabou por fortalecer a proposta de mudança constitucional do artigo 207, apontando para a necessidade de uma lei complementar à norma constitucional. Na ocasião, a opinião das entidades estudantis e de docentes era que a definição constitucional era boa e não precisava ser alterada. Por parte do governo, era insuficiente para dar conta da diversidade do sistema de ensino superior e das diferenciações de cada instituição.

Na opinião de Roberto Leher, ex-presidente do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes), o acréscimo da expressão na forma de lei representa uma ameaça à autonomia, na medida em que ela passaria a ser regida por uma legislação infraconstitucional (artigos constitucionais sujeitos a regulamentação) que, segundo ele, delimita seu alcance: “Nós entendemos que a regulamentação cerceia a autonomia universitária em relação ao que está já previsto na Constituição”. Leher ressalta que essa autonomia deve ser exercida com o Estado assumindo as suas responsabilidades de finaciamento: “O Estado precisa voltar a ter responsabilidade na manutenção e no desenvolvimento das instituições públicas. Não queremos a autonomia neoliberal para a universidade captar seus recursos no mercado. Queremos autonomia didático-científica, de gestão financeira e de organização administrativa”.

De acordo com Willian Campos, representante do Ministério da Educação (MEC) no Rio de Janeiro, o governo está simpático à proposta da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), que prevê que, dos 18% dos recursos da União destinados ao ensino, 75% sejam repassados às universidades federais. Dentro desse montante, 70% iriam para o fundo de custeio das instituições e 5% para o fundo de expansão.

Leher diz que esses recursos não são suficientes para o desenvolvimento das universidades públicas. “O ideal é o financiamento da universidade a partir de uma fração do Produto Interno Bruto (PIB), mas é preciso que haja um redimensionamento dos gastos do ensino superior”. Hoje, o país gasta muito pouco com a educação, apenas 3,8% do PIB com todo o sistema educacional, uma das menores médias mundiais. Desses 3,8%, a União contribui com 0,7%. “A União tem que aumentar seus gastos educacionais”, argumenta o professor.

Além do dinheiro vindo do orçamento da União, a proposta institucional do MEC, elaborada em agosto deste ano e intitulada Reafirmando os princípios e consolidando diretrizes da reforma da educação superior – Documento II, prevê diferentes formas de financiamento para garantir a autonomia financeira das universidades federais. Inclusive a captação de recursos no setor privado. O Andes é contrário à existência de fundações privadas nas instituições. Já a proposta da Andifes propõe uma regulamentação para a obtenção de recursos junto ao setor privado.

O Documento II propõe ainda uma vinculação da autonomia universitária aos critérios de financiamento e avaliação, levando em consideração a missão da universidade de “contribuir para o desenvolvimento social, econômico, cultural e científico da sociedade, promovendo a inclusão da diversidade étnico-cultural e a redução das desigualdades sociais e regionais do país”. Para os sindicatos, a avaliação externa é caracterizada como uma agressão ao princípio da autonomia. Já Maria Francisca Coelho é enfática ao defender a necessidade da regulamentação: “Eles desconhecem que o acompanhamento e a avaliação das atividades institucionais e individuais devem funcionar como instrumentos de legitimação acadêmica e social de planos, projetos e atividades realizadas, bem como justificadores do investimento público que as viabilizam”, diz. Deste modo, a socióloga defende que a regulamentação do princípio constitucional da autonomia universitária irá contribuir para o desenvolvimento e melhor desempenho da instituição.

Outro detalhe importante é a maneira como será feita essa avaliação. Pela proposta do governo, o setor público avaliará as instituições por meio do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes) e da Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior (Conaes). A garantia da manutenção do financiamento deve adequar-se à política de expansão, de qualidade e de inclusão social, metas que devem ser apresentadas no Plano de Desenvolvimento e Gestão (PDG) de cada universidade. A exigência da avaliação vale tanto para as instituições financiadas quase integralmente com recursos públicos, quanto para aquelas que são custeadas pelas mensalidades dos alunos, porque em todos os casos a educação como um bem público deve servir à sociedade. A proposta prevê incentivos e maior autonomia das instituições mais bem avaliadas e acompanhamento, advertências e finalmente sanções, que podem ir até o fechamento, no caso das instituições mal avaliadas.

A experiência das estaduais

Desde 1989, a autonomia é praticada nas universidades estaduais paulistas (Unicamp, USP e Unesp), que recebem um repasse fixo da arrecadação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), recolhido pelo governo do estado. Inicialmente, o orçamento ficou estabelecido em 8,4%, mas o percentual foi elevado para 9,57% em 1996, sendo a divisão interna desse valor feita pelo Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas (Cruesp).

Segundo a professora Nina Ranieri, secretária-geral da USP, a possibilidade de gestão financeira e orçamentária possibilitou às três universidades paulistas que cada uma encontrasse o seu rumo, do ponto de vista acadêmico e científico, privilegiando linhas de pesquisa, áreas do conhecimento e novos cursos, de acordo com as demandas dos meios em que elas se inserem. Assim, as decisões são tomadas a partir da análise dessas demandas. “Além disso, o fato de ter um orçamento e ter que prestar contas desse orçamento, e de ter várias demandas socias faz com que essas instituições tenham muita responsabilidade. As decisões são tomadas de acordo com as possibilidade e são implementadas na medida do possível. Elas também não podem culpar ninguém caso suas experiênicas não dêem certo, porque a responsabilidade é inteiramente delas”, afirma.

Para Ranieri, que também é autora do livro Autonomia universitária – As universidade públicas e a Constituição de 1988, o exemplo das estaduais paulistas pode ser adotado, com sucesso, pelas federais, “basta conceder orçamentos autônomos e não interferir na administração interna das universidades”. Ela conta que o governo de São Paulo respeita a autonomia das universidades e não interfere no tema, nem mesmo no que diz respeito ao reajuste salarial dos funcionários, que tem sido decidido pelo conselho de reitores.

A pesquisadora critica o fato das propostas apresentadas para a reforma universitária, tanto pelo governo como por diversas entidades, estarem mais focadas em uma situação teórica do que pragmática: “Eu acho que o modelo paulista oferece diretrizes seguras para um modelo autonômo de sucesso. Querer inventar a roda a essa altura, é um pouco complicado. Todas essas propostas poderiam considerar e aproveitar as experiências desses 15 anos”.

Em relação à USP, desde que a autonomia foi implantada, a professora afirma que a universidade conseguiu equacionar vários problemas, com responsabilidade e a partir de um orçamento pré-fixado. “A lição de casa foi feita”, conclui.

Escolha dos dirigentes

Outro tema bastante discutido sobre a questão da autonomia é a eleição de reitores. Atualmente, nas universidades federais, a eleição é feita por consulta a professores, alunos e funcionários. Os três nomes mais votados são enviados ao presidente da República, que nem sempre escolhe aquele que obteve maior número de votos. Com as mudanças propostas pelo governo, o reitor será escolhido diretamente pela comunidade acadêmica. Caberá aos órgãos superiores de cada instituição a escolha do modelo, se paritário, universal ou misto, como ocorre atualmente, em que o voto dos professores tem o peso de 70%, sendo completados pelos 15% referentes aos servidores e 15% para estudantes, conforme a lei em vigor (nº 9.192/95). No voto paritário, professores, estudantes e técnicos-administrativos têm o peso de 1/3 cada. No caso de voto universal, os estudantes têm peso maior, uma vez são utilizados critérios meramente quantitativos, sendo escolhido o candidato que tiver mais votos.

Enquanto o Andes defende o voto paritário, a Andifes prefere que a autonomia garanta à universidade o direito à elaboração de normas próprias para a escolha dos dirigentes. Até mesmo entre as entidades estudantis há grupos que aceitam o modelo de voto paritário enquanto outros reivindicam o voto universal.

Coelho acha que o modelo mais adequado à instituição universitária é o que confere o maior peso percentual aos professores, já que esses são os responsáveis pelo cumprimento das atividades da universidade, de ensino, pesquisa e extensão. “No entanto, se a reforma deixar o modelo em aberto e substituir a legislação em vigor, vamos ter que conviver com vários critérios”, observa.

Na opinião do senador Cristovam Buarque, ex-ministro da Educação, cada universidade deve ser livre para escolher o modelo de eleição. “Seria um problema da universidade”.

Já a professora Nina Ranieri é contra a eleição direta e acredita no sistema atual de escolha vigente na Universidade de São Paulo, onde nem sequer existe consulta à comunidade para a escolha do reitor. Na USP, o Conselho Universitário indica um nome para ser efetivado pelo governador do estado. “Os alunos e funcionários são transitórios, e somente aqueles que têm cargos efetivos é que constituem o corpo permanente da universidade”. Ranieri entende que a eleição direta é necessária no plano político, contituindo-se uma marca dos governos democráticos, mas a universidade não é um Estado, é um órgão técnico, acadêmico, voltado essencialmente à produção e retransmissão do conhecimento”. Deste modo, a professora enfatiza a importância de um certo tipo de qualificação das pessoas que venham a dirigi-la.

Para Buarque, a universidade é uma instituição que não pode ficar subordinada à vontade do governante. O ex-ministro chegou a enviar um projeto de lei para a Casa Civil acabando com a lista tríplice, mas não foi aprovado. “O chefe da Casa Civil disse que o presidente não estava de acordo. Acha que a universidade não deve ter essa liberdade toda”, lamenta.

O que quer dizer, na prática, essa autonomia?

Autonomia administrativa: compreende a não ingerência externa no governo da universidade e a possibilidade de autogoverno.

Autonomia financeira: independência no emprego das verbas no âmbito interno.

Autonomia didática: diz respeito à possibilidade de conduzir sem restrições as atividades de ensino e aprendizado. No Brasil, ainda que, em tese, essa autonomia seja garantida, a aprovação de estatutos, de programas, de títulos, etc. fica na dependência direta de ministérios e secretarias.

Autonomia técnico-científica: refere-se à possibilidade de poder empregar técnicas e elaborar uma ciência adequada à realidade, de viver o pluralismo ideológico, de discutir políticas governamentais de desenvolvimento e apresentar modelos e propostas alternativas.

Autonomia política: permite à universidade determinar sua política de ensino, pesquisa e extensão, dentro do direito de liberdade do pensamento, de livre manifestação de idéias, de exercício crítico dos modelos políticos e da política nacional.

Fonte: WANDERLEY, Luiz Eduardo W. O que é universidade? Ed: Brasiliense, SP, 1983.

segunda-feira, 6 de agosto de 2007

A Autonomia Universitária e a Constituição de 1988


A primeira parte deste texto foi publicada na Folha de São Paulo, 12 de dezembro de 1988.
I


A nova Constituição brasileira consagrou, pela primeira vez, o princípio da autonomia universitária plena; ao mesmo tempo, começa a discussão sobre a futura Lei de Diretrizes e Bases para a educação brasileira, em meio a uma crise financeira sem precedentes, e que atinge as universidades de forma dramática. Que significa, na realidade, esta autonomia? Que objetivos maiores ela deve servir? De que maneira ela pode ser consolidada e assegurada pela legislação ordinária? O objetivo deste artigo, de um conjunto de dois, é apresentar uma primeira tentativa de resposta a estas perguntas, tendo em vista o debate que certamente surgirá.

A autonomia universitária é uma dentre outras disposições constitucionais sobre a educação, que inclui também os preceitos de garantia da qualidade do ensino, gestão democrática, regime jurídico único e plano de carreira para o magistério público, gratuidade do ensino público, acesso universal, e indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão; e, acima de tudo, o da prioridade ao ensino fundamental. É fácil ver que nem todos estes princípios são facilmente compatíveis entre si, ou podem ser atendidos ao mesmo tempo; e que, por isto, necessitam ser hierarquizados de alguma forma.

Um critério razoável para esta hierarquização é partir das finalidades maiores do ensino superior, e depois examinar em que medida elas podem ser melhor cumpridas pelos outros dispositivos constitucionais. Pela Constituição o ensino universitário, tal como os demais níveis de ensino, tem por objetivo o desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania, e sua qualificação profissional (art. 205). Esta formulação inicial se combina com o direito de acesso de todos aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um (art. 208, V). É à luz destes princípios gerais que os demais dispositivos constitucionais devem ser examinados.

Vista neste contexto mais amplo, fica claro que a autonomia universitária, definida de forma plena no artigo 207 da Constituição, não pode ser entendida como um direito incondicional de seus professores, funcionários e alunos de fazerem das universidades o que lhes aprouver, mas sim como um instrumento que tem por objetivo e encontra seus limites no atendimento aos fins mais gerais aos quais as Universidades se destinam, assim como no atendimento às normas mais gerais de probidade na gestão dos recursos públicos. Caberá à legislação ordinária estabelecer verdadeiro alcance e os limites desta autonomia. Alguns ítens a considerar são os seguintes:

-autonomia didático-científica: as universidades devem ter plena liberdade de definir currículos, abrir e fechar cursos, tanto de graduação quanto de pós-graduação e de extensão. Elas devem ter, também, plena liberdade de definir suas linhas prioritárias e mecanismos de financiamento da pesquisa, conforme regras internas. É fundamental, em relação a este ítem, garantir a autonomia das universidades em relação a órgãos externos como o conselhos nacionais e estaduais de educação, conselhos profissionais e conselhos de pesquisa. Todos estes órgãos devem poder, em qualquer tempo, avaliar e opinar sobre os trabalhos desenvolvidos pelas universidades; mas estas apreciações não poderão ter força decisória ou de autorização sobre o que e como as universidades devem ou não pesquisar e ensinar. Isto significa, por exemplo, que as universidades não estarão mais presas a currículos mínimos de qualquer tipo. Desta forma, os conselhos profissionais deverão buscar novas formas de autorização para o exercício profissional (através de exames de ordem, ou acreditação de determinados cursos), que até hoje decorriam de forma automática da simples posse de diplomas universitários.

-autonomia administrativa: a autonomia administrativa supõe que as universidades poderão se organizar internamente como melhor lhes convier, aprovando seus próprios estatutos, e adotando ou não o sistema departamental, o regime de crédito, a estrutura de câmaras, e assim por diante.

A autonomia administrativa deve também se exercer em relação ao plano de carreira para o magistério público nas universidades federais. O parágrafo V do artigo 206 não fala em plano de cargos e salários unificado para o sistema federal, mas apenas em três princípios gerais, o piso salarial, o princípio de ingresso exclusivo por concurso público, e o regime jurídico único. Todos os demais ítens, incluindo os sistemas de promoção, regimes de trabalho, e inclusive níveis salariais máximos, devem ser deixados a cada Universidade. Uma interpretação mais restritiva deste parágrafo sufocaria, na prática, a autonomia administrativa que as universidades federais deveriam ter em relação a seu elemento mais importante, que é da política de pessoal.

-autonomia de gestão financeira e patrimonial: o princípio básico, aqui, deve ser o da dotação orçamentária global, com plena liberdade para remanejamento de recursos entre ítens de pessoal, custeio e capital. A autonomia patrimonial significa que as universidades devem poder constituir patrimônio próprio, ter liberdade para obter rendas de vários tipos, e utilizar destes recursos como melhor lhe convenha.

-regime jurídico: a autonomia universitária só se transformará em realidade se as universidades públicas adquirirem personalidade jurídica própria, que não as confundam com os demais órgãos da administração federal. Este regime jurídico deve livrar as universidades dos controles formalísticos que órgãos como os tribunais de contas, o DASP e as secretarias de orçamento ministeriais exercem de forma rotineira e burocrática sobre a administração pública do Estado; ele deve definir também as características do vínculo empregatício entre docentes e suas respectivas universidades, que não pode nem ser assimilado ao de contratações trabalhistas comuns, pela CLT, nem ao regime de funcionalismo público regular.

A contrapartida desta autonomia expandida deve ser o cumprimento das finalidades maiores a que as universidades se destinam. Não é possível esperar, simplesmente, que isto aconteça, mas sim criar mecanismos que o assegure. É do que trataremos no próximo artigo.

II

A autonomia universitária, definida de forma plena na nova Constituição, corre dois riscos igualmente sérios; o primeiro é de jamais vir a ser efetivada na prática; o segundo é o de ser confundida com um direito das pessoas que trabalham ou freqüentam as universidades de fazer delas o que bem quiserem, sem tomar em conta os objetivos maiores que as universidades, e o próprio princípio da autonomia, devem atingir, que são os objetivos de realizar o desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação profissional, através das atividades de ensino, pesquisa e extensão. Em artigo anterior tratamos de sugerir alguns dos elementos que são essenciais para que esta autonomia não se frustre; o objetivo, hoje, é sugerir alguns mecanismos para impedir que ela se desvirtue.

Todas as instituições públicas do país, da Presidência da República ao município, estão sujeitas a mecanismos de fiscalização e controle, e as universidades não poderiam ser uma exceção. Este controle não pode se limitar, como acontece habitualmente, a verificar se o dinheiro foi gasto conforme determinadas regras burocráticas, mas sim se os objetivos maiores que ele se destina foi cumprido. O artigo 206, VII, da Constituição, exige a garantia de padrão de qualidade para o ensino público, e o art. 209 condiciona o financiamento a instituições privadas também a critérios de qualidade. Caberá à legislação ordinária definir com clareza os mecanismos de avaliação e acompanhamento; se isto não for feito, as universidades continuarão a ser submetidas aos controles usuais de todo o resto da administração pública, e sua autonomia, na prática, não existirá.

O mecanismo mais adequado de fiscalização e controle das universidades seria a criação de um conselho inter-universitário federal, formado por representantes das universidades, com a presença de membros das sociedades científicas e profissionais, do setor industrial, dos sindicatos, dos ministérios da educação e da ciência e tecnologia. Eventualmente, este Conselho poderia se desdobrar em conselhos regionais ou estaduais, e conselhos especializados por área de conhecimento. Este conselho inter-universitário deveria desenvolver mecanismos de avaliação e acompanhamento da qualidade do ensino e da pesquisa das universidades do país, e fazer recomendações; criar mecanismos próprios de auditoria para o acompanhamento da gestão financeira e patrimonial das universidades; opinar sobre a proposta orçamentária anual (e se possível plurianual) para as universidades públicas, a ser encaminhado pelo executivo ao Congresso; e, em casos extremos, recomendar inclusive a intervenção em universidades e a suspensão temporária de sua autonomia, seja pelo mau uso de recursos públicos, seja pelo não cumprimento de suas finalidades precípuas. Uma de suas atribuições seria, também, ao de outorgar e eventualmente revogar o status universitário a instituições de ensino públicas ou privadas. Este conselho deveria substituir, no que tange às universidades, o atual Conselho Federal de Educação.

O princípio constitucional da autonomia universitária é genérico, e abrange inclusive as universidades privadas. No entanto, as universidades privadas brasileiras são normalmente controladas pelas respectivas mantenedoras, e os regimes jurídicos das universidades estaduais e municipais não tem sido uniforme. Em princípio, a nova legislação poderia requerer que os princípios da autonomia didática, administrativa e de gestão financeira sejam uma pré-condição para o reconhecimento do status universitário a qualquer instituição de ensino superior, independentemente de quem a mantenha. Caberá às mantenedoras decidir se desejam outorgar autonomia e status universitário às instituições que mantêm, ou preferem que elas permaneçam em regime tutelar.

A nova Constituição é omissa quanto aos estabelecimentos isolados que, no entanto, concentram o maior número de matrículas do ensino superior no país. A suposição é que estes estabelecimentos não gozam da mesma autonomia que as universidades, e por isto necessitam de um regime mais estrito de supervisão. Esta supervisão tem sido feita, até hoje, pelo Conselho Federal de Educação, que só atua na autorização de funcionamento e reconhecimento dos cursos, e em casos extremos e escandalosos de intervenção. Este mecanismo obsoleto deveria ser substituído por outro, ou um conjunto de outros, que pudessem ser mais ágeis e mais de acordo com a realidade. Algumas medidas possíveis seriam as seguintes:
- atribuir status e autonomia universitária a instituições especializadas de alto nível, que até agora permanecem como isoladas por serem especializadas.

- permitir que estabelecimentos isolados, sejam eles públicos ou privados, estabeleçam convênios de cooperação e supervisão com universidades locais, que passariam a ter a responsabilidade de acompanhar seu desempenho e registrar os diplomas por eles emitidos;

- criar conselhos especializados de acreditação e acompanhamento, nacionais ou regionais, que supervisionem e acompanhem o desempenho de instituições isoladas em suas respectivas áreas de conhecimento. Estes Conselhos deveriam ser supervisionados, por sua vez, pelo conselho inter-universitário.

- as instituições isoladas do governo federal deveriam, também, ser unificadas sob um sistema único de supervisão e acompanhamento administrativo e financeiro, dentro do Ministério da Educação.
Desta forma, os estabelecimentos isolados ou adquiririam status universitário, e se tornariam autônomos; ou se vinculariam mais estreitamente a universidades próximas; ou seriam supervisionados por especialistas das respectivas áreas de conhecimento.

A Constituição consagra, também o princípio da gestão democrática nas instituições de ensino. A experiência dos últimos anos mostra que a adoção deste princípio como significando a introdução de eleições diretas para reitores e todas as demais autoridades universitárias, assim como a participação paritária de estudantes, funcionários e professores em órgãos colegiados, está longe de ser uma panacéia. Por causa disto, e para não interferir com o princípio da autonomia universitária, a legislação deveria estabelecer normas bastante genéricas sobre estas questões, deixando aos estatutos internos de cada universidade o estabelecimento dos mecanismos específicos. Estas normas deveriam vigorar tanto para instituições públicas como privadas, e sua existência deveria ser uma pré-condição para o próprio reconhecimento do status universitário das instituições. Algumas sugestões possíveis, para estas normas gerais, seriam, primeiro, garantir que a indicação das autoridades superiores das universidades seja o resultado de um processo misto, com indicação de listas reduzidas pela comunidade segundo mecanismos pré-definidos internamente, e nomeação por parte da instituição mantenedora. Todos os postos abaixo do reitor devem ser de nomeação deste, a partir de listas elaboradas pelos respectivos setores. Este mecanismo garante que a autoridade universitária máxima receba um mandato amplo, que corresponda aos objetivos mais gerais que justificam a própria manutenção da instituição universitária; e que goze, ao mesmo tempo, da confiança e do reconhecimento da comunidade com a qual trabalha. Deve ser garantida a representação de estudantes, funcionários e professores de todos os níveis nos órgãos e setores que lhes dizem respeito; a prevalência da hierarquia acadêmica em assuntos pedagógicos e de pesquisa a autonomia didático-científica dos departamentos, institutos e faculdades que integram as universidades; e definidos mecanismos de acompanhamento, supervisão e eventual intervenção dos órgãos universitários superiores sobre unidades cujo desempenho acadêmico ou administrativo seja considerado inferior aos padrões requeridos pela universidade.

III

A reforma universitária de 1968 partia do pressuposto de que todas as instituições de ensino superior brasileiras convergiriam eventualmente para um modelo universitário único. A realidade, no Brasil como em todo o mundo, aponta no entanto no sentido contrário, ou seja, no da consolidação de sistemas educacionais cada vez mais diferenciados e complexos, dos quais as universidades públicas são apenas uma das partes, ainda que geralmente a mais significante. A realidade do ensino superior no Brasil é bastante diferente da de suas universidades, e principalmente da de suas universidades públicas mais conhecidas, fato que a nova Constituição ignora. Se o ambiente político de 1968 talvez explique o elitismo da legislação universitária daquele ano, torna-se difícil entender sua persistência na constituinte de 1988. É uma linha de especulação interessante, que devemos deixar de lado, no entanto, para nos atermos às sugestões sobre o que fazer daqui em diante. Em que medida as novas normas constitucionais deveriam se aplicar às universidades privadas e, principalmente, aos estabelecimentos isolados, privados e públicos, que absorvem a maior parte dos estudantes?

O princípio constitucional da autonomia universitária é genérico, e abrange inclusive as universidades privadas. No entanto, as universidades privadas brasileiras são normalmente controladas pelas respectivas mantenedoras, e os regimes jurídicos das universidades estaduais e municipais não são uniformes. Em princípio, a nova legislação poderia requerer que os preceitos de autonomia didática, administrativa e de gestão financeira sejam uma pré-condição para o reconhecimento do status universitário de qualquer instituição de ensino superior, independentemente de quem a mantenha. Caberia às mantenedoras decidir se desejam outorgar autonomia e status universitário a suas instituições, ou preferem que elas permaneçam em regime tutelar.

A Constituição é omissa em relação aos estabelecimentos isolados que, no entanto, concentram o maior número de matrículas do ensino superior no país. A suposição é que estes estabelecimentos não gozam da mesma autonomia que as universidades, e por isto necessitam de um regime mais estrito de supervisão. Esta supervisão tem sido feita, até hoje, pelo Conselho Federal de Educação, que só atua na autorização de funcionamento e reconhecimento dos cursos, e em casos extremos e escandalosos de intervenção. Este mecanismo obsoleto deveria ser substituído por outro, ou um conjunto de outros, que pudessem ser mais ágeis e mais de acordo com a realidade. Algumas medidas possíveis seriam, primeiro, a de ampliar o conceito de universidade, e atribuir status e autonomia universitária a instituições de alto nível que até agora permanecem como isoladas por serem especializadas, e não por que incapazes para a autonomia. Depois, seria interessante permitir que estabelecimentos isolados, sejam eles públicos ou privados, estabeleçam convênios de cooperação e supervisão com universidades locais, que passariam a ter a responsabilidade de acompanhar seu desempenho e registrar os diplomas por eles emitidos. Uma terceira medida seria criar conselhos especializados de acreditação e acompanhamento, nacionais ou regionais, que supervisionem e acompanhem o desempenho de instituições isoladas em suas respectivas áreas de conhecimento. Estes Conselhos deveriam ser supervisionados, por sua vez, pelo conselho inter-universitário sugerido no artigo anterior. As instituições isoladas do governo federal poderiam eventualmente ser unificadas sob um sistema único de supervisão e acompanhamento administrativo e financeiro, dentro do Ministério da Educação. O importante, em todos os casos, seria dar autonomia a quem pudesse exercê-la, e colocar os demais sob uma supervisão adequada, competente, e não formalística e ritualizada.

Finalmente, a Constituição foi extremamente concisa no que se refere à questão do acesso ao ensino superior, exceto no que tange aos ítens V (acesso "segundo a capacidade de cada um ") e VI (ensino noturno) do artigo 208. No entanto, a nova legislação deverá tomar em consideração o fato de que existe uma tendência universal à ampliação dos sistemas de ensino superior, em função de uma demanda que não se limita somente aos estudantes que terminam as escolas secundárias, mas inclui uma população de todas as idades e níveis educacionais anteriores, interessada em melhorar seus conhecimentos, ingressar em novas carreiras, obter títulos que autorizem o desempenho de novas funções e o recebimento de novos salários, e assim por diante. Ela deverá ter em conta, ainda, que o princípio constitucional do acesso "segundo a capacidade de cada um" ignora o fato de que a "capacidade" é, em grande parte, função das oportunidades e condições de estudo, e que este princípio não pode ser cumprido sem uma política explícita de formação de professores de segundo grau, e de ampliação das oportunidades não convencionais -- mas nem por isto de pior qualidade -- de educação superior. Sabemos que esta demanda crescente por educação superior é em parte uma demanda credencialista, a busca de diplomas que possam garantir privilégios profissionais, muitas vezes independentemente de acréscimos reais de conhecimento. Ao mesmo tempo, no entanto, o país necessita efetivamente de pessoas melhor formadas, e seria um equívoco deixar de atender a esta demanda da maneira mais adequada possível.

É chegado o momento de deixar de lado os pressupostos de 1968, que têm impedido até agora que a questão do ensino superior de massas seja encarada de frente no Brasil. É necessário ampliar cada vez mais a diferenciação do ensino superior, abrindo espaço para um amplo leque de possibilidades, com a participação ativa do setor público. Devem coexistir, lado a lado, universidades federais, estaduais, municipais e privadas, dotadas de autonomia didática, administrativa e de gestão financeira, e regidas pelo princípio da indissociabilidade do ensino, da pesquisa e da extensão; universidades orientadas para a pesquisa básica, e vinculadas à comunidade acadêmica internacional; universidades de vocação industrial, com fortes ligações com o setor produtivo; universidades de vocação comunitária e regional; estabelecimentos isolados, sob supervisão de universidades e conselhos especializados, dedicados ao ensino profissional superior; estabelecimentos isolados dedicados ao "desenvolvimento da pessoa e seu preparo para o exercício da cidadania", não associados à qualificação profissional específica; cursos profissionais noturnos, por correspondência, à distância, etc., promovidos por universidades e outras instituições públicas e privadas; cursos de reciclagem, atualização profissional e educação continuada; cursos superiores de curta duração, visando à qualificação profissional de tipo técnico e à formação de professores do ensino fundamental; e assim por diante.

Este parece ser o cenário mais adequado para o ensino superior brasileiro nas próximas décadas: um sistema universitário autônomo e auto-regulado, com instituições públicas e privadas; sistemas complexos e contínuos de avaliação; e grande diferenciação de instituições e funções em atividades de ensino, pesquisa e extensão. É um cenário difícil de construir, mas não impossível; e é o único que nos permitirá entrar com o pé direito no século XXI.